Níveis de ansiedade em grávidas podem comprometer desenvolvimento dos fetos

Níveis de ansiedade em grávidas podem comprometer desenvolvimento dos fetos



postado em 01/04/2018 08:00 / atualizado em 01/04/2018 13:52
Evitar o cigarro e bebidas alcoólicas são recomendações comuns às gestantes para proteger os bebês de substâncias tóxicas. Fugir de situações estressantes também é um cuidado recomendado, mas, diferentemente dos dois primeiros, com pouco respaldo científico. Uma equipe de pesquisadores americanos trabalha para sanar essa dúvida. Com o auxílio de técnicas de imagem de ressonância magnética funcional, eles conseguiram mostrar que o estado emocional da gestante pode resultar em alterações neurais nos fetos. Os achados inéditos foram apresentados, semana passada, na 25ª reunião da Sociedade de Neurociência Cognitiva, em Boston, nos Estados Unidos.

“Há muito se pensa que o estresse de uma mãe durante a gravidez pode refletir no cérebro do filho em desenvolvimento. Apesar da clara importância dessa fase, temos pouca compreensão de como as redes neurais macroscópicas funcionais são construídas durante esse precioso período da vida humana, ou a relevância disso para a saúde e o desenvolvimento futuro do ser humano”, ressalta ao Correio Moriah Thomason, pesquisadora da Universidade Wayne State e autora principal do estudo.

Segundo Thomason, pesquisas avaliaram recém-nascidos e crianças mais velhas para entender as influências da fase pré-natal no desenvolvimento delas. Os recentes avanços na imagem fetal, porém, permitiram que ela e sua equipe pudessem obter informações nunca antes acessíveis: antes mesmo de um indivíduo nascer. Utilizando técnicas de imagem de ressonância magnética funcional (fMRI), eles examinaram a conectividade funcional em 47 fetos, escaneados entre a 30ª e a 37ª semanas. Participaram do estudo grávidas que viviam em ambiente urbano, tinham poucos recursos financeiros e eram afetadas pelo estresse — relatos de altos níveis de depressão, ansiedade e preocupação, por exemplo.
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Os investigadores descobriram que as gestantes que relatavam alto nível de estresse carregavam fetos com eficiência reduzida nos sistemas funcionais neurais. “A grande emoção é que demonstramos o que tem sido teorizado há muito tempo, mas ainda não havia sido observado em um humano: o estresse de uma mãe durante a gravidez se reflete em propriedades conectivas do cérebro em desenvolvimento do filho dela”, destaca a autora.

A equipe também identificou que o cerebelo — que, por meio de impulsos, faz a conexão do resto do corpo com o cérebro — desempenha papel central nos efeitos observados, sugerindo que ele possa ser especialmente vulnerável aos efeitos do estresse pré-natal ou precoce. “O cerebelo tem a maior densidade de receptores de glicocorticoides, que estão envolvidos nas respostas ao estresse, do que qualquer outro lugar no cérebro”, detalha Thomason.

Vida toda
Thaís Augusta Martins, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), avalia que o estudo inédito consegue esclarecer um tema há muito tempo abordado na área médica e mostra o quanto a gestação pode impactar na vida de um indivíduo. “Um ponto importantíssimo dessa pesquisa é que ela consegue fortalecer a ideia de que as condições da gestação influenciam no que a criança vai se tornar, em seus traços de personalidade, na sua cognição, na sua inteligência”, explica. “Lembro-me de ter visto estudos com macacos em que o mesmo foi visto relacionando também a quantidade de glicocorticoides, que marcam os níveis de estresse.”

A especialista ressalta ainda que os resultados americanos são iniciais. “É claro que esse trabalho é apenas uma ponta do iceberg. O objetivo é acompanhar todo o desenvolvimento cerebral, o que começa a ser alcançado por meio dessas novas tecnologias. Isso poderá revelar muito sobre a área neurológica”, justifica.

Segundo Natasha Slhessarenko, pediatra do Laboratório Exame em Brasília, essas informações sobre as condições durante a gestação poderão ser exploradas clinicamente de formas diversas. “Esse estudo trata do que chamamos de programming fetal, que mostra como influenciadores do feto têm relação direta com o desenvolvimento das chamadas doenças crônicas de adulto. Já sabemos, por exemplo, que bebês que sofrem com desnutrição são mais propensos a ser hipertensos e diabéticos”, ilustra.

Segundo Thomason, essas possibilidades abertas pelo exame cerebral interino motivaram as participantes do experimento, dificultado pelo fato de os bebês se contorcerem muito durante o procedimento. “Muitas de nossas mães estão interessadas em fazer parte dessa pesquisa não por causa das preocupações que têm na gravidez, mas porque apreciam a vulnerabilidade aumentada da vida humana em ascensão, e essa é uma oportunidade para ajudar outras mulheres”, frisa a pesquisadora.

Para ela, os resultados do trabalho vão se refletir em ganhos importantes na área médica. “É significativo que vamos considerar o cérebro em desenvolvimento no contexto, que vamos pensar sobre o papel do ambiente na formação do desenvolvimento do cérebro. É um tema que nos inspira a promover crescimento do cérebro saudável, a nos perguntar o que é que fazemos para as crianças em relação a estilos de vida, oportunidades e condições de aprendizagem, ou seja, o que criamos para elas”, detalha.

Reduzindo riscos

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Thomason acredita ser possível aproveitar a plasticidade do cérebro em desenvolvimento para combater experiências negativas durante o início da vida. Nesse sentido, Slhessarenko chama a atenção para o fato de a pesquisa ter sido conduzida com mulheres mais vulneráveis. “O interessante é que esse estudo acompanhou justamente mães de condições econômicas baixas, que sofrem níveis altos de estresse e que realmente seriam as mais afetadas, que precisam ter mais cuidado com a sua gestação”, explica.

Para a pediatra, o trabalho conduzido por Thomason e os colegas precisa avançar em busca de mais dados relacionados ao desenvolvimento neural. “Acredito que um próximo passo interessante seria uma pesquisa com mais fetos. Outro ponto seria acompanhar as crianças ao longo dos primeiros meses de vida, por um tempo maior, para saber se os efeitos do estresse da mãe se repetem no prazo de um a dois anos, se alteram fatores ligados ao desenvolvimento motor e psíquico, por exemplo”, sugere.

Palavra de especialista

Foco no futuro

“Temos bastantes dados relacionados a fatores que podem influenciar os bebês durante o desenvolvimento uterino, sendo que a maioria é relacionada à área de nutrição. Mas sabemos também que o estado emocional da mãe é  um fator importante. Essa preocupação ocorre no caso de grávidas depressivas, por exemplo. Antes, havia um receio de tratá-las, mas, hoje, sabemos da importância desse cuidado. Esse estudo contribui para isso ao mostrar como o estado emocional pode afetar as conexões do cérebro. Acredito que, daqui para frente, o importante será quantificar esses malefícios para as crianças. É algo ainda um pouco difícil, mas que poderá ajudar a melhor entender essa relação.”

Priscila Proveti, neurologista do Hospital Anchieta

http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-saude/2018/04/01/interna_ciencia_saude,670120/niveis-de-ansiedade-em-gravidas.shtml

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