Afastamentos do trabalho por depressão e ansiedade aumentam 24,41% em MS

Afastamentos do trabalho por depressão e ansiedade aumentam 24,41% em MS

Em todo o país aumento entre 2017 e 2018 foi de 15,23%. Psicóloga avalia que instabilidade e competição no mundo do trabalho contribuem para aumento da depressão

Izabela Sanchez

Fachada do INSS em Campo Grande (Foto: Arquivo/Campo Grande News)Fachada do INSS em Campo Grande (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
A depressão e a ansiedade geraram, em 2018, 3037 pedidos de afastamento do trabalho junto ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em Mato Grosso do Sul. O número é 24,41% maior do que em 2017, quando 2441 pessoas pediram para serem afastadas do trabalho pelos transtornos. Em todo o Brasil, o aumento foi de 15,23%, em 2018 foram 104.109 pedidos comparados a 90.344 em 2017.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) alerta que, até 2020, a depressão deve ser a maior causa de afastamento do trabalho em todo mundo. Psicóloga, pesquisadora da UFMS(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), a doutora em psicologia social Branca Maria Meneses pesquisa a relação entre o trabalho e a depressão.
Ela relata um universo no qual o trabalho está cada vez mais instável. O ambiente e a organização, explica, contribuem para o aumento de casos da doença. A crise e o medo de perder o emprego estão relacionados, segundo indicam as pesquisas, com o sofrimento psíquico.
“Uma das questões extremamente difíceis para o trabalhador, porque qualquer empregado hoje, principalmente nas empresas privadas, eles vivem com medo. O medo de perder o emprego. Nós vivemos uma situação de instabilidade política e econômica muito grande, e com uma ideologia pautada na centralidade do trabalho, no sentido de dizer: ‘olha, se você não trabalha a questão e a responsabilidade é sua’. Então as pessoas acabam vivendo com esse medo”, relata.
Professora e pesquisadora Branca Maria Meneses (Foto: Henrique Kawaminami)Professora e pesquisadora Branca Maria Meneses (Foto: Henrique Kawaminami)
Competição e individualismo - Branca também cita o modo como o ambiente de trabalho está organizado, pautado da competição, produção e individualismo. “O tempo inteiro você precisa ter resultados, junto a isso vem uma competitividade exacerbada, o relacionamento entre as pessoas, ao mesmo tempo aflorando o individualismo, situações extremamente individualistas, é cada um por si, para você se manter no sistema, e isso faz parte da dinâmica das relações de trabalho em geral”, comenta.
“O tempo inteiro nós somos avaliados e a nossa sociedade ela está organizada em cima de equivalência: nós somos medidos o tempo inteiro, então, em qualquer área de trabalho isso leva a muitos desgastes psíquicos, a gente vê isso, por exemplo, em pesquisas feitas na área de instituições hospitalares, nas áreas de supermercado, de lojas de venda de carro e de um modo geral o trabalho”, complementa.
Falta de reconhecimento – Nas pesquisas coordenadas pela professora, estudantes ouvem os trabalhadores. Entre os relatos está a falta de reconhecimento no trabalho. Branca afirma que aliado a isso, há a falta de espaço para acolhimento das pessoas que estão em sofrimento.
“A questão dessa falta de reconhecimento, da falta de diálogo, da falta de você saber aprender a respeitar o outro, a cuidar do outro, inclusive saber que quando existe uma queixa de alguma coisa, ela precisa ser escutada e a gente tende a querer até deixar de lado, a não querer saber porque o outro está sofrendo e as pessoas não tem espaço para isso. Teve uma experiência de uma aluna, em um escritório, de uma pessoa que era super reconhecida e valorizada, mas teve uma crise conjugal, se separou, entrou em sofrimento psíquico e o comportamento das pessoas era no sentido de ‘olha, não estamos aguentando mais o sofrimento dessa pessoa”, contou.
O risco, comenta a pesquisadora, é que a falta de diálogo sobre o tema leve ao suicídio. É necessário, dessa forma, uma atenção ao entorno, ao ambiente, e um cuidado com o trabalhador em sofrimento. O que ocorre na prática, ainda assim, afirma Branca, é justamente o contrário. O ambiente de competição e foco excessivo na produção não oferece abertura para o acolhimento. Além disso, comenta, na maioria das vezes o trabalhador acaba demitido.
“Então essa é uma questão que precisa ser identificada, seria, preventivamente, identificar, se o trabalho, se a maneira como ele está organizado, não propicia o adoecimento psíquico, e uma vez detectado os sintomas, a gente já viu que muitas empresas simplesmente dispensam o trabalhador, afastam o trabalhador, e isso pode ser um risco muito grande, a gente já viu casos de que o afastamento levou ao suicídio”, explica.
Para a pesquisadora, organização do trabalho tem grande peso nos casos de depressão (Foto: Henrique Kawaminami)Para a pesquisadora, organização do trabalho tem grande peso nos casos de depressão (Foto: Henrique Kawaminami)
Empresas não estão preparadas – Para a pesquisadora, além de ser um problema que deve ocupar cada vez mais o INSS, o cenário encontra empresas e organizações despreparadas para lidarem com o tema.
“Eu tenho percebido que tem havido essa preocupação, mas a disposição para medidas efetivas de restruturação, reorganização, essa questão de mudar a dinâmica da relação com os trabalhadores. Porque são políticas de gestão estabelecidas que engessam as relações de trabalho, deixa muito pouco espaço para mudanças e essas mudanças precisam acontecer”, defende.
Com esse ambiente, relata a pesquisadora, os trabalhadores perdem o sentimento de pertencimento e não conseguem estabelecer identificação com o trabalho. Branca acredita que a depressão, para além de um sofrimento psíquico, é um sintoma de resistência às condições estabelecidas.
“Eu posso chamar o empregado de colaborador, como partícipe desse processo, mas ele não participa de nada, porque na verdade ele tem que apresentar resultado, como se fosse dentro de uma lógica extremamente operativa, operacional, do fazer dele e aí chega uma hora que a gente para pra pensar e questionar e as coisas vão perdendo o sentido e o significado”, analisa.




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